Crônica memorialística - A Pergunta - by Angélica Nogueira
- Angélica Nogueira
- 13 de out. de 2021
- 2 min de leitura

Olhava inquieta através do vidro da janela da sala, os carros passando na Rua 31, na Vila dos operários da Siderúrgica, e além da rua, havia o Jardim dos Inocentes, sim, eu morava numa rua que tinha vista para um jardim – gramado verdinho com relva, flores das mais diversas cores, árvores frondosas, borboletas e pássaros voando - acordava, olhava e ouvia os sons atrelados a luz do sol.
Aquele dia, seria um dia especial, meu pai me levaria para conhecer seu escritório. Na minha visão de menina, ele era um homem importante. Trabalhava de terno, tinha muitos amigos, os parentes o amavam, era comunicativo e dono de um certo charme – minha mãe o amava, apaixonadamente, era o seu herói –; quando ele me pedia para arrumar a televisão, falava como um poeta:
- Lady Mary, faz o favor de colocar suas mãos mágicas na TV e aumentar o volume? E, lá ia eu, toda feliz, fazer a mágica com minhas mãozinhas de menina.
Quando vinha algum amigo em nossa casa, ele insistia para que eu cantasse a música de uma cantora popular da época – oh! Deus – me sentia muito envergonhada, mas cantava; - havia em mim o desejo de agradar, de ser amada e reconhecida, como imagino deva ser com toda “filha sanduíche” - a filha do meio. Olhava para um lado e via meu irmão mais velho, o primogênito, bonito, loiro, olhos verdes, o filho “homem”. Olhava para o outro lado, a irmãzinha, a caçulinha, a lindinha. Como lado bom da moeda, tive minha imaginação estimulada, um rico mundo interior, e sempre fui a melhor aluna da turma, até na faculdade, no esforço de sobressair de alguma forma. Fui tateando aqui e ali, para alcançar a oportunidade de reluzir a meus próprios olhos – um árduo caminho de uma vida inteira.
Voltando àquele dia, não imaginava a “pergunta” que me faria ter a minha “Epifania” - uma súbita sensação de compreensão da minha essência, que seria meu destino e minha realização:
Cheguei com meu pai em seu escritório – espaços imensos, grandes janelas envidraçadas, o sol penetrando através das cortinas, cadeiras de couro, mesas de madeira, tapete vermelho – fiquei encantada. Até que, fomos a uma grande sala de reuniões, onde estavam mais sete homens elegantes e bem vestidos, e, foi quando veio a “pergunta”, em minha direção, me atingindo como uma flecha em meu estômago, deixando-me tão desconcertada, porque depois de minha resposta, todos morreram de rir, e eu nem imaginava a razão:
- O que você quer ser quando crescer?
- Quero ser Mãe!
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