CARTA À BUKOWISK - Autora: Angélica Nogueira - Poema de Fôlego - Instagram @angelicanogueirabhz
- Angélica Nogueira
- 11 de mai. de 2022
- 4 min de leitura

Amor? É como quando você vê a névoa de manhã, quando você acorda antes do sol nascer. É como um breve instante que depois desaparece. Apenas isso, o amor é uma névoa que queima com a primeira luz de realidade. Charles Bukowski
Bukowski, Concordo tanto com você sobre o amor apaixonado, um instante fugaz, a viagem entre a saída e a chegada; nesse cálice transbordante, um gosto amargo de despedida, caminho cortado, em rua sem saída. Observo a lua sendo refletida em um oceano calmo e tranquilo, e posso intuir ao longe o caos; a neblina fresca queimada com o sopro fervente da realidade. Vou te contar uma história: assim ele chegou - O meu amor – como o doce voo do primeiro pássaro da manhã, o mais iluminado raio de sol entre as folhagens, um calmo vento a embalar as flores amarelas, -Também- como a torrente forte da queda das águas da cachoeira. Assim, um silêncio se fez [e] um estrondo eclodiu. Assim transbordou minha vida. Caí em meu próprio poço - Sou ser de luz e sombra – Tenho desejos e instintos inexplorados, escondidos, oprimidos, devido aos padrões e tabus, educacionais, sociais ou culturais, da sociedade atual. Sei que necessito encarar, -face a face- o subterrâneo de minha alma, todas as minhas sombras, reconhece-las, expressá-las. Ainda assim, é uma incógnita se aguentarei alçar esse voo [e] se alcançarei o cinza ou o azul do céu. [I won’t hold your hand, baby]. Buk, Como em ti, em mim pulsa vida. Há um pássaro dentro que deseja voar. Mas aprendi, com você, que preciso de muita potência para não o deixar morrer. Para que ele possa cantar a música das esferas. Como você, escrevo para sobreviver, reduzo ao mínimo os elementos e recursos, uso só o que realmente preciso para transmitir minha verdade [e] sentimentos. Procuro encontrar a significância da vida, afinal, como escritora preciso escrever minha história, desvendar as sombras onde moram os bens que me traduzem. Ainda assim, é uma incógnita se aguentarei alçar esse voo, saltar através dos mistérios da alegria salpicada de sangue, das imagens que se formam e se desvanecem em nuvens delicadas. Pela lógica burguesa, precisarei voar alto, muito alto, para alcançar o mérito, com resultado, competência, eficácia, produtividade. Estremeço pela desistência de viver uma vida em que não me enquadro. O mundo interior, este sim me interessa. Elocubração concebida para estabelecer um novo conceito de vida. - Uma antítese – Se é possível tamanha liberdade — ser naturalmente primitiva e minimalista, a ponto de não me preocupar com coisa alguma — sem as artificialidades da vida contemporânea. Simplesmente observando, chegar a verdadeira percepção da ganância, sutil e profundamente imersa em fachadas de interesses diversos. Ah, my dear, my old BUK - À luz da realidade - Ainda sinto, o calor do meu amor - Aquele que te contei - Quando nos aconchegávamos, eu ouvia o tilintar das estrelas. Seu rosto era belo, sua postura transmitia sinceridade e seu jeito de olhar era o reflexo da sua essência. Às vezes, ele estava sorrindo, mas seus olhos entregavam sua tristeza, não havia como esconder. Não consigo captar o que ele sentia por mim. Talvez gostasse dos meus olhos, minha pele, meu jeito de falar, dançar. – “antes de ti hubo otra mujer” - [eu não queria ouvir] Tentávamos um tipo de amor despretensioso, - Fora do padrão - A liberdade de ser e deixar a outra pessoa ser ela mesma. Fomos corajosos, autênticos e verdadeiros. Frutos com aroma de jasmim, Suave e fresco. Criamos aquele tipo de pacto secreto que você bem conhece, e é bom o suficiente para fazer uma pessoa chorar. Quando o sol se esconde, as folhas caem, a colheita ganha um gosto amargo. Quando caímos no próprio poço, descobrimos que somos seres de luz e sombra. Será que Sartre estava certo? “O inferno são os outros” Diga-me. Será a angústia existencial, diante de um mundo aparentemente sem sentido? Ou cair como uma pedra no próprio poço Foi minha sorte? Old BUK, Fico a refletir: o que a pedra vai sentir ao cair? como será o voo da pedra? será que a pedra sabe da aventura que é cair de um precipício? a pedra tem culpa de cair? a culpa é da palavra pedra? ou será do poeta que quer fazer da pedra poesia? afinal pedra é pedra. nas mãos de um bom escultor pode ser lapidada esculpida mas sempre será pedra ou pó de pedra então, tão só se faz pedra-poesia. Por trás dessa aparência de pedra, existe um ser calmo e leve, um coração desafinado que bate e sangra, percorrendo o caminho com verdade e vida. Dear Bucowski, - Vou te contar agora, O que admiro em você: - Sua vida desregrada, fora dos padrões, totalmente livre para viver suas experiências, sua trajetória errática, irreverente, honesta. Sua sinceridade dilacerante. Suas muitas cartas entregues - Só você sabe onde te apertava o sapato - Sua temática expôs o lado obscuro da sociedade: - os desvalidos, os bêbados, os perdedores, o que ninguém gosta de mostrar - Ainda assim, soube ser lírico, poético e emocionante. “O melhor poeta da América”. Assim Jean-Paul Sartre o definiu. Em contraponto, me vejo possuidora de todos os pecados do mundo, convivendo com a culpa de não ter vivido toda a minha potencialidade. Um pássaro que usa as palavras para voar. Ainda assim, é uma incógnita se aguentarei alçar esse voo [e] se alcançarei o cinza ou o azul do céu. [I won’t hold your hand, baby]. See you soon my dear. — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — “Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que posso encontrar.” Charles Bukowski “O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas vivem ou não vivem até suas mortes. A maioria das mortes das pessoas é um engano. Não sobrou nada para morrer.” Charles Bukowski
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