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JOGO DA VIDA - CONTO BY ANGÉLICA NOGUEIRA INSTAGRAM - @angelicanogueirabhz

Colagem mista - Angélica Nogueira

Estávamos bem longe de alcançar nossa meta. Conseguimos passar pelo portão da fazenda onde podíamos ver a placa - “entrada proibida a estranhos” -, o que aguçava mais o desejo de passar com nossas bicicletas. Ele e eu, ainda dois jovens, por volta dos vinte e poucos anos. Passei à frente, remexendo os quadris para provocá-lo; sabia que estaria olhando e que ficaria excitado. Apesar de ser tímida, com ele tinha essa ousadia.

Nessa época, era comum fazermos estes passeios noturnos. Mantínhamos alta velocidade, mesmo na subida, ladeada pelas árvores frondosas; lá embaixo o mar - podíamos ouvir o barulho das ondas e sentir o vento frio da noite em nossas faces. O que mais amávamos era a imensidão do céu estrelado, galáxias espirais, poeiras interestelares, nebulosas, parecendo vir ao nosso encontro.

Parávamos, exaustos pelo esforço causado pelo aclive. Deitávamos à beira da estrada - no nosso lugar – para apreciar a vista mais bela do céu. Ficávamos de mãos dadas, até que os batimentos do coração abrandassem. Então, era como se holofotes se acendessem dentro de nós – boca, desejo, sabor de amor, afagos na pele macia, lentos golpes de pura malícia. Eu, inteiramente dele, nua, sob a lua. Ele, o beijo, o êxtase do beijo, murmúrios na grama, ofegante prazer, afogando-me em seus abraços, afogueando meu ser. Depois, o silêncio - sentia seus olhos brilhantes me olhando fixamente. Falar estragaria esse momento de pura felicidade. Entrávamos num “sem tempo”.

Ecos - não temos mais nada disso. Desvanecimento – ele se foi. Todos os avisos não evitariam. Será que quando ouvimos outra pessoa, a estamos realmente ouvindo, ou ouvindo nossa projeção no que ela nos diz? Não é raro ouvirmos alguém falar - “não foi bem isso o que eu quis dizer”, assim como ele me disse, quando o questionei sobre nosso futuro casamento:

- E sobre “eu e você”? - Perguntei.

- Quem é “eu e você”? – Ele respondeu.

Nossos destinos não iriam se entrelaçar.

Arquitetei novos sonhos – traços livres no espaço e no tempo – algo, intensamente pessoal. Meta decidida, navegar em mares de Norte a Sul, em linhas sinuosas.

Olho para o tempo passado com ele, sinto os momentos plenos de significado, ainda posso ouvir seu tom de voz carinhoso, e me sinto gratificada, pois esses acontecimentos suscitaram minha fé no amor positivo, como fonte de crescimento. Às vezes, me pego com os olhos marejados. Viver traz consequências. Essa pequena rachadura em meu coração abriu meus caminhos, com ternura. A comparo com o ar que enche meus pulmões e me deixa mais viva. Saí fortalecida de nosso [des]encontro.

Passado tempo e vida, o aprendizado mais intenso, foi de que, quando convivemos com outra pessoa, em geral, a interpretamos segundo nossa percepção, cultura, história, pensamentos, sentimentos, que trazemos dentro de nós - nosso mundo.

Assim, formamos uma ideia do que o outro representa, um reflexo do que somos. Quando conversamos, estamos conversando com a imagem que criamos a respeito do outro ser, o que é uma ilusão. A pessoa real é totalmente diferente, e, por vezes, nem o próprio indivíduo se conhece profundamente, pois esse é um processo árduo e complexo – o autoconhecimento.

Na maioria das vezes, criamos uma expectativa quanto à outra pessoa e ela pode não atender nossos desejos, pois cada um traça suas próprias escolhas e seu destino.

Assim, continuei o jogo da vida, percorrendo um caminho sem volta, no horizonte iluminado com o brilho em meus olhos, procurando saborear cada momento e com gratidão no coração.


 
 
 

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